sexta-feira, 29 de abril de 2011
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terça-feira, 13 de julho de 2010
Náufrago (exercício II)
Engoli de um trago as ruas de água
Mastiguei as casas
aperteiamágoa
Fui sorriso por um segundo
m-u-r-i-b-u-n-d-o
Apartei as sombras
Renasci no mundo
Parti dos teus braços
onde o sangue não se abria
Entrei na embarcação
Cheirei o medo e a cobardia
Estendi palavras de coragem
Naufraguei toda a cidade
Apartei os ventos secretos
Engoli de um trago a s-a-u-d-a-d-e
Fui tão longe e voltei
Desapertei a mágoa
por este povo de água que não se alimenta de mim
...não me engole
...não me reconhece
...não me merece
Não é mais noite nem dia
É mais medo e cobardia
sexta-feira, 21 de maio de 2010
Cinderela Adormecida
Todas as manhãs são cinzentas
Todas as manhãs te inventas em frente ao espelho
Disfarças todos os anos que ficam para trás
com os pós de magia que ainda te restam.
És bela, Cinderela.
O teu sorriso é cinzento
Cheiras a sonasol
E trazes o sol nos sapatos altos.
Tropeças nas manhãs
E cais nas tardes sem cor
com sabor a comprimidos
Nenhuma tarde tem cor
e todos os passos dados são vigiados
És bela Cinderela.
O teu sorriso é amarelo
Cheiras a caramelo
E trazes o mar nos sapatos altos
Entras na noite a implorar que te resgatem
Todas as noites são verdes
como os teus olhos castanhos.
Já não distingues as cores no meio de tanta panela.
És bela, Cinderela.
Choras por trás do teu sorriso
Cheiras a comida
E trazes a vida nos sapatos altos.
Chega a tua hora
Quase sem dares por isso.
Sais derreada para o baile da palhaçada.
Perdes um sapato
E deixas a esperança perdida junto de um contentor.
Talvez o amor o encontre, porque tu
bela, Cinderela
que cheiras a vida podre
e andas descalça pela rua
nua
Querias ser só sol e mar,
Mas és vida. Nunca adormecida.
terça-feira, 12 de janeiro de 2010
quarta-feira, 4 de novembro de 2009
Olho-me
E apenas vejo o meu reflexo difuso
Mas sinto que também sou olhada
O que torna tudo ainda mais confuso.
Olho intensamente mas não vejo nada
A não ser esta personagem que uso
Mas sinto a minha alma ser abusada
Por este olhar estranho que eu recuso.
E invadem-me o pensamento
Sem que eu desse autorização
Por instantes, por um momento
Sei que sou motivo de observação
Mas continuo neste meu tormento
De ninguém me ver realmente o coração.
segunda-feira, 19 de outubro de 2009
Instantes II
Numa floresta encantada,
dentro da Lua gelada,
havia um Peixe azul
que rumou a sul
pelo rio amarelo
em cima dum cogumelo.
Deslizou num dia cinzento
à procura de alimento.
Encontrou um morango preto
que dormia num panfleto!
O peixe ficou branco
e deu um solavanco.
Sentiu-se vermelho
e olhou-se no espelho.
Afinal era violeta
e não era Peixe, mas Borboleta
num sonho colorido,
azul incompreendido.
Abriu as asas e rumou a norte
a pensar na sua sorte,
Se calhar não era um sonho
era só um dia medonho
daqueles tão absorventes
que ficamos transparentes,
de tanto cismar com cores
dentro de congeladores
desligados da ficha,
Apaixonados por uma lagartixa
Perita na arte dos enganos
Devoradora de vegetarianos
Que não podem
Nem saem de cima,
E agora perdeu-se uma rima!
Azar, isto não é uma obra-prima
É bem mais do que isso
É um enguiço
De um Peixe que voou do mar
e uma Borboleta que aterrou num Bar.
quinta-feira, 8 de outubro de 2009
terça-feira, 29 de setembro de 2009
O Cenário
O conteúdo do cálice adquiriu o tom da toalha. Ela pegou nele e dirigiu-se para a beira da lareira. Retirámos os mantos e formámos um círculo à volta do cálice, sentadas no chão. Os nossos olhos viam agora um espelho de sangue onde era possível distinguir formas. Formas de homens e mulheres. Formas que se moviam com sensualidade e paixão. O que estava a acontecer na ‘Ilha dos Amores’ naquele instante era visto por nós atentamente. E lá estavam, misturadas com as ninfas, algumas vampiras de olhos vermelhos, que só os nossos olhos conseguiam reconhecer. Um cenário idílico repleto de leitos de nenúfares, essências de rosas e velas acesas espalhadas por toda a ilha.
Suspiravam elas e eles e suspirávamos nós por não termos conseguido os nossos intentos.
“Perdemos a única hipótese de nos tornarmos mais fortes do que esses vampiros que nos sugam a vida e que sugam a bondade dos Humanos. Agora resta-nos voltar ao nosso tempo, a tempo!” Foram as palavras da feiticeira dos olhos cinzentos que se fechou depois dentro do seu próprio silêncio.
(...)
Excerto do conto 'A Ilha Vermelha'
quinta-feira, 24 de setembro de 2009
O Espírito de Suas Excelências
São vários os textos que poderia ter escolhido para trazer até este espaço, destaco este em particular para entrarmos no Outono com o Espírito dos Homens notáveis que «têm, com efeito, o poder de comunicar às menores coisas um interesse especial», de acordo com Luís de Oliveira Guimarães:
– Seja prudente. O senhor é fraquíssimo, etéreo, quase gasoso. Se eu lhe desse um ligeiro bofetão, o senhor ia parar à Foz. Por consequência sente-se aí. O que quer tomar?
E, obrigando o rapaz a sentar-se à mesa, embebedou-o. Depois pegou-lhe ao colo e levou-o a casa. A irmã do rapaz estava à janela. Camilo ao vê-la, pôs o rapaz no chão e, tirando rasgadamente o chapéu à rapariga, exclamou:
– Seu mano não se pode ter nas pernas porque se encontra como um cacho. Mas ainda tem forças para, em meu nome, dar a Vossa Senhoria, o beijo da Paz!
Enfiou o chapéu, virou costas e retirou-se.
Luís de Oliveira Guimarães
In Revista O Mundo Ilustrado, Dezembro de 1952
segunda-feira, 14 de setembro de 2009
Sobre a Perfeição
São Paulo, 13 de Setembro de 2009
Esta carta não vai atravessar os ares nem os mares. Escrevo-a apenas para mim. Vejo-me quase obrigada a traçar estas linhas tortas, porque estou tão velha e tão lúcida e a lucidez deve ser uma entidade muito forte, já que é superior às minhas forças. De Portugal vão chegando notícias de que a minha irmã está senil e parece uma criança. Eu não. Terei de sofrer até ao fim o castigo de perceber tudo o que se passa à minha volta.
Há muitos anos vim para o Brasil à procura do meu irmão. A minha irmã ficou em Portugal. Sempre em casa. Raramente saía do perímetro do seu quintal. Casou e ficou sempre lá. Eu parti e fiquei por cá. Encontrei o meu irmão que já tinha constituído uma nova família. Recebeu-me por cortesia. Não esquecera as amarguras por que passara quando a nossa mãe o deixou partir com um casal estranho que prometeu que lhe daria uma vida melhor. Éramos muito pobres nessa altura. O nosso pai tinha morrido e a nossa mãe chorou toda a vida o desgosto por ter deixado o filho partir, mas o seu coração dizia-lhe que seria o melhor para ele. O coração de mãe também se engana.
Fiquei por cá, não por ele, mas porque me habituei a este clima, a este povo. Quem me ouve falar, toma-me por brasileira, mas quem lê o que escrevo, percebe que nunca deixei de ser portuguesa.
Moro sozinha. Já fui muito bonita, tive os meus pretendentes, mas nunca me quis casar. Trabalhei muito durante todos estes anos. Fiz amigos, mas moro sozinha. Não tenho quem me dê a mão. Nunca soube aceitar as imperfeições dos outros e agora muito menos. Mais cedo ou mais tarde escorraço quem comete um erro, um gesto de ingratidão.
A perfeição é um caminho único e o meu leva à solidão.